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Foto do escritorIvone Benedetti

Você é contra a corrupção. Lembra?


Você é contra a corrupção. Mas lembre que todo mundo, tirando os corruptos, também é. Até aquele mano de camiseta vermelha que você mandou pra Cuba lá na Paulista, lembra? Ele também é contra a corrupção — quem diria! Mas com a diferença de que você se esquece de perguntar por que ela existe. Você acha que corrupção existe porque existem corruptos e corruptores. Bravo! Assim você explica o efeito achando que é causa. Mas, paciência, você não é o único. Aí você acha que o jeito é prender corruptos e corruptores. Bravo de novo! Só que não só. Corruptos e corruptores devem, sim, ser presos, mas a coisa não se resolve aí. Também é preciso descobrir que mecanismos políticos permitem que corruptos e corruptores se esbaldem livremente, formando uma vasta rede de, justamente, corrupção. Se não pensar assim, você será contra a corrupção no abstrato, e fazer passeata contra uma abstração é inútil. Lembra do tempo em que você fazia passeatas contra a corrupção? Pois é, não adiantou.


Mas vamos em frente.


Nem quando percebeu que não adiantava fazer passeata contra a corrupção, você se perguntou seriamente por que ela existe. Só concluiu que era preciso encontrar os corruptos e prendê-los. Mas onde eles se escondem? Você não sabia, não era um cara que se pudesse chamar de bem informado, nem imaginava que nossa corrupção é sistêmica, que, portanto, seria bom pensar em mudar o sistema etc., aquela chatice toda, você não é de política, não tem tempo para pensar nessas coisas, precisa trabalhar, sustentar a casa, pagar condomínio, babá, escola e plano de saúde. Então você ficou abestado. Até que, do céu, caiu o titio Moro. Titio Moro e a mídia indicaram a você o caminho das pedras, você seguiu: a corrupção se chamava PT. Eliminado o PT, a corrupção desaparecia.


E lá foi você vestido de verde e amarelo para a avenida, pedindo a queda daquela presidente(a) (lembra?), aquela que concedeu todos os instrumentos para que titio Moro e seu séquito lhe dissessem o nome da corrupção, que seria o de seu próprio partido, aquela que permitiu a sua ida à avenida sem reprimir. Paradoxos. Lembra do tempo dela, bem diferente do tempo do escândalo do Banestado (e de outros), que foi metido em alguma misteriosa gaveta? Ah, destes você não lembra.


Pois bem, tanto lhe disseram que a culpa da corrupção se chamava PT (só PT) e com tanto cuidado esconderam de você que vários integrantes de todos os partidos eram corruptos, que você voltou e voltou e voltou à avenida, pedindo a queda (quando não a morte) de Dilma. Até que, realimentados, todos juntos — você, a mídia, o titio Moro e seu séquito (valendo-se estes até de gravações ilegais e de deslavados abusos de autoridade) —, tudo isso junto e misturado acabou onde? No congresso! Naquele congresso cheio de, justamente, corruptos, de gente de rabo preso, comandados pelo chefe supremo da quadrilha das quadrilhas, um tal de Eduardo Cunha. Lembra? Aquele que você disse que era você ou você era ele, quando saiu por aí gritando “somos milhões de Cunhas”. Não lembra? Entendo. Bom, melhor esquecer mesmo. Esses caras, secundados pelo Senado, derrubaram a Dilma, aquela que permitiu que tudo isso acontecesse, acreditando no republicanismo e na democracia. Ingênua!


E quem ficou no lugar dela? Ficaram os, justamente, corruptos!


Surpresa!


Disso você começou a desconfiar na primeira gravação divulgada, em que um tal de Romero Jucá falava em sangria. Lembra? Lembra, sim. Mas ficou quietinho, torcendo pra ser esquecido, certo?


Meu amigo, política não se faz com o fígado. Política feita com o fígado acaba em merda ou em guerra. Ou nos dois. Por enquanto estamos só no primeiro estágio.


Agora você vai de novo para a avenida gritar contra a corrupção. Mas, véi, não adianta. Gritar contra a corrupção não acaba com a corrupção. Isso a gente já viu na primeira lição, lembra? Você achava que a corrupção se chamava PT e agora está percebendo que não, que o nome dela é legião. Legião formada por uma miríade de nomes, nomes de gente, com RG e CPF, que só a justiça, quando quer, consegue tirar da toca. Até sem abuso de autoridade! Se bem que, sem abuso de autoridade, dá um bocadinho mais de trabalho.


Então, quem sabe, desta vez você aprendeu que corrupção não se identifica por sigla, e que combater corrupção de verdade dá uma canseira danada. Será que aprendeu? Será que percebeu que combater corrupção inclui, além de não ser corrupto, claro, a arte de ser um cidadão consciente? E o que é ser cidadão consciente? Ir para a avenida? Não, lamento, essa é a última etapa. Antes, é preciso parar de frequentar só a galerinha do facebook, buscar informação em todos os meios de comunicação à disposição, mesmo aqueles que não se tingem de verde e amarelo, e, acima de tudo, conhecer a história do seu país e seus mecanismos políticos. Você conhece? Ah, sei, esqueceu aquelas aulinhas decoradas para passar no ENEM, né? Rememorar dá trabalho. Mas vale muito a pena, pode acreditar. Quem sabe aí você percebe a continuidade dos atentados à democracia desta nossa pátria amada, atentados que, invariavelmente, se valeram de massas de manobra desinformadas. Como você.


Bom, concluindo. Agora você percebe que a curriola tomou o poder. Caramba, mas dava para prever, hem! Você não conhecia a história dos caras? Não? Não conhecia os mecanismos de sucessão? Se conhecia, também não pesaram, pois o importante era tirar o PT do poder. O que vinha depois haveria de ser melhor, não é? Só que não. Sacou a cegueira com que agiu? Vê se para de ser manipulado, cara. Assim não dá!


Mas agora a curriola pode cair mesmo. E eu, que não vesti camisa da CBF, também estou torcendo para isso. Pode cair porque desta vez, de novo, você não está sozinho. Aqueles que você, atordoado político que é, chama de comunas também querem isso. E não só. Mais uma forcinha da mídia, que já está se mexendo, e ele cai. Por motivos diversos, ninguém gosta dos caras. Só que — você não percebe — as razões para não gostar deles são diferentes para cada um. O que virá depois? Um novo governo, escolhido por eleição indireta. Indireta para nós, direta para os caras lá do Congresso. O Congresso! Ora, esse mesmo Congresso! Ele vai escolher o nosso futuro governante. E quem sabe desta vez chega ao poder algum daqueles que há tantos anos não conseguem chegar lá por vias diretas, não é? Pelas mãos daquele mesmo congresso no qual você (nem ninguém) confia chegará desta vez ao poder alguém em quem você confia.


Paradoxo.


E então, por linhas tortas, você terá ajudado a escrever errado (afinal, você não é Deus) a história desta fulgurante nação e poderá voltar para casa com a jubilosa sensação do dever cumprido.

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